Domingo, 14 de Março de 2010

PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO

 

 

"Um homem tinha dois filhos. Disse o mais moço a seu pai: Meu pai, dá-me a parte dos bens que me toca. E ele repartiu os seus haveres entre ambos. Poucos dias depois o filho mais moço ajuntando tudo o que era seu, partiu para um país longínquo e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome e ele começou a passar necessidades. Então foi encostar-se a um dos cidadãos daquele país e este o mandou para seus campos a guardar porcos; ali desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Caindo, porém, em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai tem pão com fartura e eu aqui, morrendo de fome! Levantar-me-ei, irei a meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado de teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros. E levantando-se foi a seu pai. Estando ele ainda longe, seu pai viu-o e teve compaixão dele, e, correndo, o abraçou e o beijou. Disse-lhe o filho: Pai, pequei contra o Céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus servos: trazei depressa a melhor roupa e vesti-lha, e pondo-lhe o anel no dedo e sandálias nos pés; trazei também um novilho cevado, matai-o, comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho era morto e reviveu, estava perdido e se achou. E começaram a regozijar-se. Ora, o seu filho mais velho estava no campo; e, quando voltou e foi chegando a casa, ouviu a música e a dança, e chamando os criados perguntou-lhes o que era aquilo. Um deles respondeu: Chegou teu irmão e teu pai mandou matar o novilho cevado porque o recuperou com saúde. Então ele se indignou, e não queria entrar; e, sabendo disso, seu pai procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu: Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu me regozijar com os meus amigos; mas, quando veio este seu filho que gastou teus bens com meretrizes, tu mandaste matar o novilho mais gordo. Respondeu-lhe o pai: Filho: tu sempre estás comigo, e tudo que é meu é teu; entretanto, cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou".

(Lucas, XV, 11-32)

 

1 - CAIRBAR SCHUTEL

Esta parábola imaginosa relatada pelo evangelista Lucas é a doce e melodiosa palavra de Jesus, dizendo aos homens da bondade sem limites, da caridade infinita de Deus! Ambas as individualidades que representam o filho obediente e o filho desobediente simbolizam a Humanidade Terrestre. O pai de ambos aqueles filhos, simboliza Deus. Uma pequena, pequeníssima parte da Humanidade personificada no filho obediente se esforça por guardar a lei divina e permanece, portanto, na casa do Pai. A outra parte personifica o filho desobediente, que, de posse dos haveres celestiais, dissipa todos esses bens e vive dissolutamente, até chegar ao extremo de ter de comer das alfarrobas que os porcos comem. Esse extremo é que o força a voltar à casa paterna, onde, acolhido com benemerência e conforto, volta a participar das regalias concedidas aos outros filhos.

Em resumo: esta simples alegoria, capaz de ser compreendida por uma criança, demonstra o amparo e a proteção que Deus sempre reserva a todos os seus filhos. Nenhum deles abandonado pelo Pai celestial, tenha os pecados que tiver, pratique as faltas que praticar, porque se é verdade que o filho chega a perder a condição de filho, o Pai nunca perde a condição de Pai para com todos, porque todos somos criaturas suas. Estejam eles onde estiverem, quer no mundo, quer no espaço; quer neste planeta, quer em país longínquo, ou seja noutro planeta, com um corpo de carne ou com um corpo espiritual, o Pai a nenhum despreza, a nenhum abandona, porque nos criou para gozarmos da sua luz, da sua glória, do seu amor.

O Pai celestial não é o pai da carne e do sangue, pois como disse o apóstolo: "a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus"; a carne e o sangue são corruptíveis, só o Espírito é incorruptível, só o Espírito permanece eternamente. O Pai celestial é Espírito, é Deus de verdade, Deus vivo, por isso seus filhos também são Espíritos que permanecem na imortalidade. A luz, a verdade, o amor não foram criados para os corpos, mas para as almas. Como poderia Deus criar um "filho pródigo", a não ser para que ele, depois de passar pela experiência dura do mal que praticou, voltar para o seu Criador, e, arrependido, propor o não mais ser perdulário, mas adaptar-se à vontade divina e caminhar para os destinos felizes que lhes estão reservados! Como poderia Deus criar uma alma ao lado de um Inferno eterno! que pai é esse que produz filhos para mandá-los atormentar para sempre?

A Parábola do Filho Pródigo é a magnificiência de Deus, e ao mesmo tempo o solene e categórico protesto de Jesus contra a doutrina blasfema, caduca, irracional das penas eternas do Inferno, inventada pelos homens. Não há sofrimentos eternos, não há dores infindáveis, não há castigos sem fim, porque se os mesmos fossem eternos Deus não seria justo, sábio e misericordioso. Há gozos eternos, há prazeres inextinguíveis, há felicidades indestrutíveis por todo o infinito, esplendores por toda a Criação, amor por toda a eternidade!

Erguei as vossas vistas para os céus. O que vedes? Um manto estrelado sobre vossas cabeças, chispas luminosas vos cercam de carícias; fulgurações multicores vos atraem para as regiões da felicidade e da luz! Olhai para baixo, para a terra, para as águas: o que vedes? Essas chispas, essas luzes, essas estrelas, essas cintilações retratadas no espelho das águas, nas corolas das flores, nos tapetes verdejantes dos campos; porque das luzes nascem as cores, são elas que dão colorido às flores que iluminam os campos, que agitam as águas!

O homem! onde quer que estejas, se quiseres ver com os olhos do Espírito, verás a bondade e o amor de Deus animando e vivificando o Universo inteiro! Tanto em baixo como em cima, à esquerda como à direita, se abrires os olhos da razão, verás a mesma lei sábia, justa, equitativa, regendo o grão de areia e o gigantesco Sol que se baloiça no espaço; o infusório que emerge, a gota dágua e o Espírito de luz, que se eleva sereno às regiões bem-aventuradas da paz. A lei de Deus é igual para todos: não poderia ser boa para o bom e má para o mau; porque tanto o que é bom quanto o que é mau estão sob as vistas do Supremo Criador, que faz do mau bom, e do bom melhor: pois tudo é criado para glorificar o seu imaculado nome!

Não há privilégios nem exclusões para Deus; para todos Ele faz nascer o seu Sol, para todos faz brilhar suas estrelas, para todos deu o dia e a noite; para todos faz descer a chuva!

CAIRBAR SCHUTEL

 

2 - PEDRO DE CAMARGO "VINICIUS"

Parábolas é uma história encerrando certa moralidade que deve ser destrinçada do enredo. Jesus utilizava-se desse meio para ensinar. É um processo pedagógico de relevância porque obriga o estudante a fazer uso do raciocínio. Uma das nossas aprendizes empregou certa figura elucidativa, bem interessante, a propósito deste assunto, a qual passamos a reproduzir. O avô ensinava evangelho aos seus netos. Chamando a atenção de um deles, perguntou-lhe: o que vês na parede da frente? Vejo uma sombra, retruca o interpelado. E você, continuou o velho instrutor, dirigindo-se a outra criança. É um cachorro; distingo a cabeça, o corpo e a cauda. Em seguida, um terceiro acrescenta: é cachorro policial, veja o formato e a posição das orelhas.

Concluiu então o avô: É isso mesmo. Um de vocês apenas viu a sombra projetada na parede pela estatueta de cerâmica que aqui está sobre a mesa. Outro distinguiu que era um cachorro; outro, finalmente, ajuntou que se tratava de um cachorro policial. As parábolas são assim: uns dizem que são historietas; outros, que são casos interessantes cujo enredo prende a atenção; finalmente, outros descobrem a moralidade ou ensinamento que a narrativa oculta em suas entrelinhas.

Comecemos pela parábola mais conhecida e que tem sido muito comentada: a do Filho Pródigo, inserta no Evangelho de Lucas, cap. XV.

Vamos comentada conjuntamente com as da Ovelha Desgarrada e da Moeda Perdida que a procedem, porque as três incidem sobre o princípio filosófico adotado pelo Espiritismo, isto é, a
Unidade do Destino.


1 - "E chegavam-se a Ele os publicanos e demais pecadores para o ouvir. E os escribas e fariseus então murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles. E Jesus, por isso, lhes propôs a seguinte parábola: Que homem, dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove, e não vai após a perdida até que venha a encontrá-la? E, achando-a, põe-na, alegremente, sobre os ombros; e chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhe: Alegrai-vos comigo, pois achei a minha ovelha perdida. Digo-vos, pois, que haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.

2 - Ou, qual a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência até a encontrar? E, achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já encontrei a dracma perdida. Assim vos digo que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.

3 - E, continuando, disse mais: Um certo homem tinha dois filhos e o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. E havendo gastado tudo, sobreveio naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquele lugar, o qual o enviou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava ele encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, caindo, então, em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui, perecendo de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou mais digno de ser chamado teu filho; recebe-me como um dos teus jornaleiros. E, levantando-se, foi para seu pai; e quando estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. E o filho disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não mereço ser considerado teu filho. Mas, o pai disse aos seus servos: Trazei depressa o melhor vestido, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel no dedo, e alparcas nos pés; e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; pois este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido e foi encontrado. E começaram todos a alegrar-se. E o filho mais velho achava-se no campo; e quando veio, e chegou perto da casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, indagou o que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recuperou são e salvo. Mas, ele indignou-se, e não queria entrar. E, saindo, o pai insistiu com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir as tuas ordens, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos; vindo, no entanto, esse teu filho, que esbanjou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas; mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e agora achou-se."

Conforme verificamos, o ponto central destas três parábolas é a unicidade do destino.

1 - De fato, é o que se depreende claramente do caso do pastor que tendo cem ovelhas, deixa no campo noventa e nove, e sai à procura de uma que se havia perdido.

2- O mesmo sucede com a dona-de-casa que, tendo dez moedas, perde uma. Aflita por isso, ela remove suas mobílias, varre todos os cómodos até encontrar aquela banho desfalcado de uma ovelha; como a mulher, que não se conforma com a perda de uma só de suas moedas;

3 - e, como o progenitor solícito e amorável que recebe jubiloso o moço arrependido, assim como o Pai Celestial não quer que se perca nenhum de seus filhos.


Esta é a moralidade que ressalta de modo inequívoco e insofismável desta trindade parabólica. É digno de nota sabermos que o céu está interessado no que se passa neste mundo. A sorte do pecador faz parte da cogitação dos anjos de Deus, os quais se rejubilam com a regeneração dos culpados. Nada há isolado no Universo. Os mundos e as humanidades que os habitam guardam relação íntima entre si. Os maiores, os justos e os sábios pensam e se preocupam com os pequenos, os injustos e os ignorantes.

Esta circunstância é animadora. Ninguém está abandonado nem esquecido. Tudo pende para a Unidade Suprema que é Deus. Comentemos agora de modo particular a parábola do Filho Pródigo. Dentre todas as imaginadas pelo Mestre, é a mais conhecida e a quem tem dado margem a publicações de vasta literatura. Realmente trata-se de uma lição tocante, que fala à nossa alma e sensibiliza o nosso coração. É, geralmente, sob o aspecto sentimental que essa magnífica página evangélica tem sido vista e explanada. Mas, não é somente debaixo desse prisma que devemos encará-la. Cumpre que aprofundemos, tirando de sua estrutura as grandes verdades que encerra. Comecemos pelo seu título.

Seria mais acertado a denominarmos: O Pródigo e o Egoísta — considerando que o seu enredo gira principalmente em torno de dois personagens que encarnam aquelas duas modalidades de indivíduos. Apenas três figuras aparecem neste conto evangélico: o pai e os dois filhos. No entanto, só se tem comentado o procedimento de um dos filhos, o mais moço, o pródigo, e nada diz sobre o outro filho, o mais velho, o egoísta, o maior pecador. Vamos, pois, trazê-lo à baila, pois é protagonista importante cuja conduta deve ser meditada.
À simples leitura do texto percebemos que aquele pai é Deus. Seus filhos representam os homens, os pecadores de todos os matizes.

O mais moço personifica os que se entregam desvairadamente aos prazeres sensuais, concentrando na gratificação dos sentidos todas as suas aspirações, consumindo em bastardos apetites as riquezas herdadas do Divino Progenitor. Empobrecido e arruinado, faminto e roto, material e espiritualmente, acaba reconhecendo-se o único culpado de tamanha desventura, o responsável, em suma, pela penosa situação em que se vê. Arrependido, resolve procurar os penates abandonados insensatamente, voltando para junto do seu lugar de filho e herdeiro de todos os bens e prerrogativas paternas.

A história desse moço encarna a odisséia dos pecadores que se encarnam neste orbe. Devaneios, aventuras, busca de prazeres, aspirações malogradas, tendo como consequência desapontamentos, dores e angústias. Em seguida — arrependimento, regeneração, retorno a Deus. Entre os dois extremos — prodigalidade e egoísmo — encontra-se a grande série de pecados e erronias que os homens cometem. O final ou remate de toda a trajetória do Espírito através das encarnações e reencarnações, das provas e expiações, por que venha a passar, é um só: confissão da culpa, o arrependimento e a consequente reabilitação pela dor e pelo amor! Ninguém se perde, não há culpas irremissíveis. O desígnio divino é um só. A porta da redenção jamais se fecha, está sempre aberta aos pródigos e aos egoístas arrependidos, de todos os tempos.

Outro ensinamento de relevância que ressalta da parábola em apreço é o que respeita à lei da consequência ou de causalidade, propagada pela Terceira Revelação. A redenção do Filho Pródigo deu-se mediante a sua influência. Ele criou um conjunto de causas que determinaram um conjunto de efeitos análogos. Como as causas foram más, os efeitos foram dolorosos. Suportando-os como era natural, e não como castigo imposto por agente estranho, o moço acabou compreendendo a que suportava. Tomou, então, espontaneamente, e não coagido por terceiros, a resolução de emendar-se. E assim o fez. A obra da nossa redenção, portanto, deve ser iniciada intimamente, em nosso interior, processando-se no recôndito de nossas almas. Dessa reforma individual decorrerá a reforma da sociedade.

Deus é imutável. Seu atributo principal é o Amor. Na sua imutabilidade, Ele espera que o homem o procure. Deus é a luz da Vida. Quando mais d'Ele nos aproximamos, tanto mais nos sentiremos iluminados pela sua luz e fortalecidos pelo seu calor, o que vale dizer que mais intensificaremos a nossa própria vida. Afastarmo-nos de Deus é embrenharmo-nos nas trevas, é caminharmos para a morte. Daí o dizer da parábola: Este meu filho era morto e reviveu, tinha-se perdido e agora achou-se. Ir a Deus é encontrarmos a nós próprios, descobrindo-nos em nossa vida imortal. Ainda outro ensinamento: a relatividade do livre-arbítrio. O homem é um ser relativamente livre. Se não possuísse essa faculdade seria um títere, movendo-se ao sabor das circunstâncias que o cercam. O Espírito, quanto mais atrasado, menor soma de liberdade possui.

À medida que vai progredindo — moral e intelectualmente —, sua esfera de ação livre dilata-se e se amplia, até que adquire completo livre-arbítrio. A ignorância, em seu duplo aspecto —- moral e intelectual —, constitui o cárcere do Espírito. Basta considerarmos a condição do analfabeto. É um emparedado que se debate entre as grades da prisão. Abre um livro e não pode interpretar os seus símbolos: é um cego. A liberdade, pois, depende do grau evolutivo do Espírito. Não basta o desenvolvimento intelectual; é indispensável que a educação seja equilateral, isto é, que o sentimento constitua a base da nossa evolução. É pelo despertar do sentimento que se opera a conversão dos culpados, conforme atesta exuberantemente o caso do moço desassisado. O Pródigo faz jus à nossa simpatia, porque é um pecador confesso.

Errou, sofreu as consequências, reconheceu-se culpado, implorou e obteve a divina misericórdia. Pela sinceridade do seu gesto e humildade de sua atitude, ele atrai a nossa indulgência e conquista o nosso coração. E, como não há de ser assim se nós nos vemos nele, como num espelho, refletindo o que somos e indicando o roteiro a seguir ? O delito do Pródigo é menor, e menos grave do que o do seu irmão. A sua culpa revela fraqueza, inexperiência, e não maldade ou desamor. Fez mal a si próprio. Não envolveu a ruína de terceiros em suas aventuras; não ocasionou dor física nem moral a seu próximo. Foi insensato, leviano, boêmio e perdulário, prejudicando-se, como dissemos, a si mesmo.

E o Egoísta, com sua aparente santidade, jactando-se de jamais haver infringido as ordens e preceitos paternos? Na sua impiedade manifesta e ostensiva, esquivando-se indignado a tomar parte no banquete promovido pelo pai em regozijo ao regresso de seu irmão, ele mostra toda a aridez e secura de sua alma. O Pródigo, a despeito das insânias que cometeu, não atentou tão gravemente contra a Lei como ele: não feriu os sentimentos paternos de modo tão desalmado e cruel. Sendo a encarnação viva do egoísmo, pretendeu monopolizar a herança e o convívio paternos. Sentiu-se bem sem o irmão transviado, por cuja sorte jamais se interessou. Desapareceu o irmão? Melhor, ele se tornaria o único herdeiro do céu! Por isso, estomagou-se com o seu retorno e com a maneira afetuosa como o pai o recebera. Que outra prova maior de impiedade poderia demonstrar? Onde a sua decantada santidade, onde o seu presumido puritanismo?

Estará, acaso, nas virtudes negativas que proclamara tão enfaticamente? Virtudes negativas importam na abstenção do mal. Mas, isso não basta. O homem pode abster-se do mal visando somente ao proveito próprio, ao seu bem-estar, ao bom conceito e à fama. E o que prova tudo isso, se não egoísmo? Não procede mal, para não se comprometer, para zelar pela sua integridade moral. Sim, empregamos o prefixo propositadamente, porque, em realidade, tal pessoa não passa de um bom aparente, de um santo de fancaria, incapaz de um gesto altruísta em prol do seu próximo. Não arrisca um fio de cabelo na defesa do inocente ou de uma causa justa; não dedica um momento do seu tempo em favor de outrem. Ainda mais: entristece-se com a felicidade alheia e revolta-se com a alegria do próximo.

Refestelando-se presumidamente no céu, conforma-se com a perdição eterna de seu irmão! Tal o grande pecador, imagem fiel do fariseu que, orando no templo, assim se pronunciava: Graças te dou, meu Deus, porque não sou como aquele publicano. Não sou ladrão, pago o dízimo e jejuo regularmente. O publicano, porém, orava deste modo: Meu Deus, tem piedade de mim, miserável pecador. Em verdade, ensinava o Mestre, este voltou para sua casa justificado, e não aquele.

A lição mais importante da alegoria que ora comentamos está resumida no seu último tópico, quando o Egoísta, extravasando zelos e ciúmes, queixou-se ao pai, dizendo: Mataste o novilho cevado em sinal de regozijo pela volta desse teu filho que dissipou teus bens com as meretrizes, enquanto que a mim, que tão bem te sirvo, nunca me deste um cabrito para regozijar-me com meus amigos. O pai, então, retruca: Filho, tu sempre estiveste ao meu lado, e tudo que é meu é teu; entretanto, cumpria regojizarmo-nos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e agora achou-se. O ensinamento áureo está sintetizado num simples possessivo: esse teu irmão. O adjetivo — teu — é, no caso, tudo quanto há de mais significativo.

O Egoísta viu, no Pródigo, apenas, o filho dissoluto de seu pai; mas, este mostrou-lhe naquele — o seu irmão! Que importam os seus erros e desatinos? Ele é teu irmão! Apliquemos em nossa vida este preceito. Saibamos ver nos que se transviam, nos que cometem culpas e mesmo delitos graves, o nosso irmão. Lembremo-nos de que o dia de sua regeneração e redenção será festivo nos céus. Alegremo-nos com Deus na reabilitação do pecador, expurgando o nosso coração de todo o pensamento sectário e exclusivista. A Casa do Pai Celestial é bastante grande para agasalhar todos os seus filhos. Regozijemo-nos e nos confraternizemos, todos, no alegre banquete do Amor, olhos fixos em nossa sublime e sábia legenda:

"Fora da Caridade não há Salvação".

PEDRO DE CAMARGO "VINICIUS"

 

3 - PAULO ALVES GODOY

Evidentemente a Parábola do Filho Pródigo é a mais consoladora, a mais bela e a mais edificante página dos Evangelhos, encerrando o duplo mérito de revelar toda a grandiosidade do amor de Deus para com Seus filhos, e destruir pela base as tão absurdas teorias das penas eternas e do pecado chamado irremissível.

Reiteradamente, afirmava Jesus que muitos dos homens de sua época "tinham olhos mas não viam, tinham ouvidos mas não ouviam". Essa afirmação do Mestre tem também aplicação nos dias atuais, quando alguns ensinamentos religiosos ultrapassados, não permitem que se veja, na referida parábola, a mais insofismável e decisiva afirmação contra as tão decantadas penas eternas.

Um confronto, ainda que bastante superficial entre o Criador e a criatura, seria o bastante para destruir essa abominável concepção religiosa. Se o homem, eivado de imperfeição, não concilia a idéia de condenar um seu filho e o máximo que poderá fazer é aplicar ligeiros corretivos; e não se deve supor, de forma alguma, que Deus, perfeição absoluta e expressão máxima do amor, pudesse agir de modo diverso, através de suas leis imutáveis, punindo de forma eterna os seus frágeis filhos, que transgridem as suas leis.

Na Parábola do Filho Pródigo, Jesus Cristo deixou transparecer todo o amor de Deus, que não se limita a aguardar a volta do filho fracassado, mas, vai buscá-lo nos caminhos da vida, fazendo-o através dos seus mensageiros de amor e bondade, que tudo fazem para soerguer aqueles que desfalecem, preparando-os para novos aprendizados reedificantes, no decorrer de novas vidas com a aplicação da magnânima lei da reencarnação.

A aceitação da teoria esdruxula das penas eternas implicaria na repulsa daquele filho transviado: o "pai" da parábola deveria se limitar a fechar as portas do seu lar àquele filho que esbanjara tão prodigamente os seus bens, acumulados com tantos sacrifícios, ordenando que ele fosse severamente punido.

O ato do pai, acolhendo em seu seio aquele filho transviado, fazendo-o com satisfação e com festa, simboliza bem o amor incomensurável de Deus, traduzido naquelas palavras do Meigo Nazareno: "Há mais alegria nos céus por um pecador que se regenera, de que por noventa e nove justos que perseveram". Como reforço a essa ponderação, devemos também salientar a afirmação D'Ele: "Qual o pastor que não deixa o rebanho sujeito ao assédio dos lobos vorazes e tudo faz na procura de uma ovelha tresmalhada, sendo grande a sua alegria quando a encontra?"

Não se concebe a idéia de um Pai que cria os seus filhos pusilânimes, para após qualquer deslise condená-los a habitar os domínios de um decantado príncipe dos demônios. Tal idéia jamais poderá prevalecer num século de destacado progresso espiritual. A sua aceitação seria a negacão pura e simples de toda a virtude, de toda a sabedoria, de toda a misericórdia e de todo amor.

Não é esse Deus que o Espiritismo apregoa. Esse Deus pertence aos egoístas, aos maus e aos rancorosos. O Deus que o Espiritismo apresenta é um Pai de clemência, infinitamente Bom e a Expressão Máxima da tolerância e da brandura.

Deixemos, pois, de lado o Deus-inquisitorial da Idade Média; o Deus dos antigos israelitas, consubstanciado no Jeová dos Exércitos; os deuses dos antigos povos politeístas, e consagremos a imagem de um Deus Onipotente, Onisciente, Eqüitativo e Bom.

Abandonemos o Deus que se fecha num paraíso exclusivista, que se compraz no gozo de ladainhas intermiináveis, que se deleita com as preces de homens intolerantes e eivados de maldade, e exaltemos o Pai Infinito que abre as portas dos páramos mais elevados do Grande Além, não apenas para receber as "almas eleitas", mas, precipuamente, enviar os grandes missionários da luz, para recolherem as almas falidas nos escabrosos caminhos da vida.

Posterguemos o Deus das adorações contemplativas, e alegremo-nos por termos por Pai um Deus que é todo vibração, trabalho, amor e ação.

Devemos sentir em nossos corações um Deus que quer mais a ação, e coloca em segundo plano a adoração por parte dos seus filhos.

É óbvio, na narrativa evangélica, que o Filho Pródigo representa os que Deus coloca nos caminhos da vida, para o aprendizado comum, e que, por uma razão ou outra, vem a falir no desempenho das tarefas peculiares ao processo evolutivo.

Em outras palavras, o Filho Pródigo da parábola simboliza a parcela de criaturas humanas que é cumulada de bens para o desempenho satisfatório de determinada tarefa e que, por invigilância, prevaricação ou desídia, vem a fracassar, retomando ao mundo espiritual sem ter praticado os atos meritórios, mas como "um morto que reviveu", dotado de experiência suficiente para poder prosseguir a sua tarefa ascencional rumo ao Criador, em futuras vidas na Terra ou em "outras moradas da casa do Pai". Tudo isso confirmando o dizer evangélico de que "há mais alegria nos Céus por um pecador que se regenera, de que por noventa e nove justos que perseveram no caminho do bem".

O irmão do Filho Pródigo, por outro lado, representa a outra parcela de seres humanos: aqueles que se encastelam nas muralhas dos dogmas, julgando-se os únicos herdeiros das coisas celestiais e os monopolizadores da verdade, arrogando-se ao qualificativo de "eleitos" ou "escolhidos", jamais tolerando que os seus irmãos, que eles qualificam de "hereges" venham a ser, um dia, recebidos na Casa do Pai com o mesmo amor e carinho a eles dispensados.

Esses homens avocam a si o título de herdeiros do reino de Deus, fazendo-o simplesmente pelo fato de se assentarem nos bancos das igrejas e templos da Terra, cumprindo exteriormente as ordenações que suas religiões prescrevem, revoltando-se intimamente pelo fato de Deus cobrir com o Seu infinito amor todos aqueles que "estiveram sobrecarrregados" nos caminhos da vida, mas que uma experiência tardia levou de volta ao roteiro do bem.

Foi a atitude egoística de homens dessa estirpe, que levou o Cristo a proclamar: "Muitos virão do Oriente e do Ocidente e assentar-se-ão ao lado de Abraão, de Isaac e de Jacó, no reino dos Céus".

Foi a demonstração de falta de amor desses homens, que levou o Cristo a exclamar: "Os publicanos e as meretrizes entrarão no reino dos Céus adiante de vós".

Paulo Alves Godoy

PUBLICADO POR SÉRGIO RIBEIRO às 06:34

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