Segunda-feira, 1 de Agosto de 2011

A MORAL ESPÍRITA


Diz Allan Kardec, na Conclusão de "O Livro dos Espíritos", que "fora presumir demais da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por efeito das idéias espíritas".
Acrescenta o Codificador que a ação exercida por essas idéias não são nem idênticas, nem do mesmo grau em todos aqueles que aceitam o Espiritismo e o professam.
É admirável a argúcia do Codificador na observação do fenômeno do entendimento e da aceitação da novel doutrina, máxime considerando-se que sua observação fora formulada logo no início dos trabalhos da Codificação, ao ser lançada sua obra básica, e não ao concluir sua missão, quando muitas experiências haviam enriquecido sua bagagem de professor, de experimentador, de escritor, de missionário e de extraordinário observador da natureza humana.
Os espíritas, os que estudam e cultivam o Espiritismo, percebem que a Doutrina contém aspectos filosóficos, científicos, religiosos, morais, éticos, educacionais, já que é extremamente abrangente e não se ocupa somente com a vida do homem na Terra, mas cuida também da vida do Espírito imortal para além das fronteiras da matéria densa.
Apenas para efeitos didáticos e visando a simplificar a abrangência da Doutrina, convencionou-se que o Espiritismo tem caráter de Ciência, de Filosofia e de Religião, por se entender que nessas três palavras estão resumidos todos os conhecimentos e sentimentos humanos.
Entretanto, como previra Kardec, no seio do Movimento Espírita estabeleceu-se divergência, simplesmente para substituir-se a palavra religião pela palavra moral. Então, como pretende certa corrente de espiritistas, o Espiritismo é Ciência, é Filosofia e é Moral, mas não Religião.
Simples questão de semântica, como nos disse certa vez um companheiro, com o que concordamos.
Mas os homens, apesar da clareza das idéias espíritas, não as percebem do mesmo modo, nem no mesmo grau.
Preferem estabelecer um pequeno ou grande cisma a cederem no que concerne à idéia que acolhem e que se cristaliza, tornando-se inamovível.
A discussão em torno dos termos moral e religião levou a conseqüências prejudiciais à unidade do entendimento da Doutrina.
As pessoas apaixonam-se de tal modo pelo entendimento pessoal sobre determinada questão, que desprezam qualquer outro juízo que o contrarie, tornando-se fanáticas e contraditórias com as próprias bases que as sustentam.
Há tempos, e ainda hoje repete-se o fato, alguns espíritas desavisados puseram-se em campo para sustentar que o Espiritismo é uma ciência e, quando muito, tem conseqüências filosóficas, mas não é religião. Baseavam-se esses companheiros nas palavras de Kardec, em “O que é o Espiritismo” (Preâmbulo) ao definir o Espiritismo como sendo “uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”.
Estaria errada essa definição do Codificador? Claro que não. Mas o adepto precisa estar atento no entendimento da Doutrina como um todo, um amplo contexto, um código de princípios, postulados, regras, que não pode ser desmembrado. O entendimento das partes componentes há que estar harmonizado com o do conjunto.
Dentro do contexto do discurso, ao tratar do assunto específico, Kardec está certo ao dizer que o Espiritismo é uma ciência, mas isso não autoriza a conclusão de que a Doutrina Espírita é somente uma ciência, uma vez que ela é também filosofia, é religião (não em sentido restrito, mas lato), contém regras morais que coincidem com o Evangelho de Jesus, estabelece princípios éticos que decorrem de sua natureza e de seu caráter, e, conseqüentemente, é também doutrina de educação e de instrução porque se preocupa com o progresso moral e intelectual de todos os que aceitam seus princípios.
Também na interpretação da Doutrina Espírita ocorre o erro de caracterizar-se o todo pela parte.
Intérpretes de todas as filosofias e religiões incidiram nesse antiquíssimo engano.
Isso ocorreu no judaísmo, que o Cristo procurou retificar com sua mensagem de vida eterna e abundante, mesmo acrescentando que não vinha destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento.
Tem ocorrido através de séculos nas religiões oriundas do Cristianismo, inclusive nos dias atuais, quando se fundam novas seitas baseadas na interpretação de uma passagem isolada do Velho e do Novo Testamento, daí resultando verdadeiros paradoxos pela sua incoerência com o sentido geral da Bíblia.
Quando a esse velho engano se acresce a interpretação literal dos textos e se juntam os dogmas criados pelo homem, o resultado está à vista de todos: religiões dogmatizadas, exclusivistas, desmembramentos de antigos troncos pela inconformação de determinadas personalidades com a idéia antes assente.
Infelizmente, também no Movimento Espírita, em todo o mundo, o fenômeno do cisma e da interpretação individual não ficou afastado, apesar da preocupação do Codificador em imprimir toda clareza à sua obra.
Entretanto, os adeptos do Espiritismo têm maior parcela de responsabilidade no divisionismo doutrinário que os adeptos de outras correntes espiritualistas, já que nossa Doutrina é conseqüente de Revelação Superior e não resultante de um sistema criado pelo homem.
Além disso, naquilo que é de capital importância, correspondendo a realidades transcendentes que estavam acima das possibilidades de entendimento dos homens, os Espíritos supriram nossas deficiências, não só revelando coisas novas para a Humanidade mas também dando entendimento autêntico e espiritual ao que já era conhecido, como ocorre com a interpretação da mensagem do Cristo.
É conhecido o fato de alguns adeptos pugnarem pela desvinculação da Doutrina Espírita do Evangelho de Jesus. Acham eles que o Espiritismo tem sua moral própria e que por isso prescinde-se do que eles denominam igrejismo, religiosismo, etc.
Interessante observar que esses adeptos se baseiam em escritos de Allan Kardec e se arvoram em intérpretes autênticos do mestre, incidindo no velho engano de tomar o todo pela parte.
Alguns preferem substituir a sabedoria e beleza dos Evangelhos, interpretados em espírito, que é a base firme da Doutrina Espírita, na sua contextura moral, por teorias psicológicas e parapsicológicas com forte influência materialista.
Ora, o espírita atento e estudioso sabe que toda a Codificação reafirma a Doutrina do Cristo constante dos Evangelhos e não a ensinada e desvirtuada pelas Igrejas.
Allan Kardec, em diversas passagens, confirmou essa verdade. Daí porque fica difícil entender como pessoas inteligentes e conhecedoras da Doutrina Espírita enveredem pelo divisionismo das interpretações pessoais, invocando justamente excertos e fragmentos que não devem ser entendidos isoladamente.
Vejamos o que diz o Codificador em algumas passagens de sua Conclusão, em “O Livro dos Espíritos”:
“VIII — Ensinam os Espíritos qualquer moral nova, qualquer coisa superior ao que disse o Cristo? Se a moral deles não é senão a do Evangelho, de que serve o Espiritismo? Este raciocínio se assemelha notavelmente ao do califa Omar, com relação à biblioteca de Alexandria: 'Se ela não contém, dizia ele, mais do que está no Alcorão, é inútil. Logo deve ser queimada. Se contém coisa diversa, é nociva. Logo, também deve ser queimada”.
Não, o Espiritismo não traz moral diferente da de Jesus. Mas, perguntamos, por nossa vez: Antes que viesse o Cristo, não tinham os homens a lei dada por Deus a Moisés? A doutrina do Cristo não se acha contida no Decálogo? Dir-se-á, por isso, que a moral de Jesus era inútil? Perguntaremos, ainda, aos que negam utilidade à moral espírita: Por que tão pouco praticada é a do Cristo? E por que, exatamente os que com justiça lhe proclamam a sublimidade, são os primeiros a violar-lhe o preceito capital: o da caridade universal? Os Espíritos vêm não só confirmá-la, mas também mostrar-nos a sua utilidade prática. Tornam inteligíveis e patentes verdades que haviam sido ensinadas sob a forma alegórica. E, justamente com a moral, trazem-nos a definição dos mais abstratos problemas da psicologia.
Jesus veio mostrar aos homens o caminho do verdadeiro bem. Por que, tendo-o enviado para fazer lembrada sua lei que estava esquecida, não havia Deus de enviar hoje os Espíritos, a fim de a lembrarem novamente aos homens, e com maior precisão, quando eles a olvidam, para tudo sacrificar ao orgulho e à cobiça?” (Os grifos são nossos, para acentuar a clareza do pensamento de Kardec.)
Vamos transcrever ainda da Conclusão de Kardec, o que ele adverte a respeito do entendimento de partes controvertidas, visando a evitar rivalidades no seio do Movimento:
“IX... - Antagonismo só poderia existir entre os que querem o bem e os que quisessem ou praticassem o mal. Ora, não há espírita sincero e compenetrado das grandes máximas morais ensinadas pelos Espíritos que possa querer o mal, nem desejar mal ao seu próximo, sem distinção de opiniões. Se errônea for alguma destas, cedo ou tarde a luz para ela brilhará, se a buscar de boa-fé e sem prevenções.”
..............................................
“O argumento supremo deve ser a razão. A moderação garantirá a melhor vitória da verdade do que as diatribes envenenadas pela inveja e pelo ciúme.”
Em “O Evangelho segundo o Espiritismo” eis o comentário a respeito da Coragem da fé — cap. XXIV`pág. 352, item 16 da 112ª ed. FEB:
“Assim será com os adeptos do Espiritismo. Pois que a doutrina que professam mais não é do que o desenvolvimento e a aplicação da do Evangelho, também a eles se dirigem as palavras do Cristo. Eles semeiam na Terra o que colherão na vida espiritual. Colherão lá os frutos da sua coragem ou da sua fraqueza.”
Maior clareza dos Espíritos e do Codificador sobre a estreita vinculação do Evangelho com a Doutrina Espírita seria exigência descabida.
Resta ao trabalhador sincero das hostes espiritistas traçar sua própria trajetória no sentido do bem, sem se preocupar em demasia com as dificuldades do caminho, com as provocações que antes são convites ao desvio de rota.
Para isso a própria Doutrina nos esclarece da necessidade da vigilância constante, uma vez que, sem ela, sempre há o perigo da tentação da discussão desnecessária, do revide, da polêmica oca tão ao sabor dos vaidosos, dos descomprometidos com a Doutrina e com o Evangelho do Mestre.

Reformador Agosto 1997
PUBLICADO POR SÉRGIO RIBEIRO às 17:58

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