Esta não é apenas uma questão material, mas, também, muito espiritualista. Antes de abordar o ponto principal, um há, do qual falaremos em primeiro lugar. Que é a guerra? A guerra, respondemos de saída, é permitida por Deus, pois que existe, existiu e existirá sempre. É erro na educação da inteligência não ver em César senão um conquistador, em Clóvis senão um bárbaro, em Carlos Magno senão um déspota, cujo sonho insensato queria fundar um imenso império. Ah! meu Deus! como geralmente se diz, os conquistadores são os próprios joguetes de Deus. Como sua audácia, seu gênio os fez chegar ao primeiro posto, viram em torno de si não só homens armados, mas ideais, progresso, civilizações que era necessário lançar às outras nações. Partiram, como César, para levar Roma a Lutécia; como Clóvis, para os germes de uma solidariedade monárquica; como Carlos Magno para fazer raiar o facho do cristianismo para os povos cegos, nas nações já corrompidas pelas heresias dos primeiros tempos da Igreja. Ora, eis o que aconteceu: César, o mais egoísta desses três grandes gênios, faz servir a tática militar, a disciplina, a lei, numa palavra, para os trazer às Gálias; na retaguarda do exército, seguia a idéia imortal e as reputações vencidas e indomáveis sofriam o jogo de Roma, é certo, mas se tornavam províncias romanas. A orgulhosa Marselha teria existido sem Roma? Lugdunum, e tantas outras cidades célebres nos anais, tornaram-se centros imensos, focos de luz para as ciências, as letras e as artes. César é, pois, um grande propagador, um desses homens universais, que se servem do homem para civilizar o homem, um desses homens que sacrificam homens em proveito da idéia.
O sonho de Clóvis foi estabelecer uma monarquia, bases, uma regra para o seu povo. Mas como a graça do cristianismo não o iluminava ainda, foi propagador bárbaro. Devemos encará-lo na sua conversão: imaginação ativa, febril, belicosa, viu na vitória sobre os Visigodos um prêmio da proteção de Deus; e, daí por diante, certo de estar sempre com ele, fez-se batizar. Eis que o batismo se propaga nas Gálias e o cristianismo que se expande cada vez mais. É o momento de dizer, com Corneille, Roma não era mais Roma. Os bárbaros invadiam o mundo romano.
Depois do abalo de todas as civilizações esboçadas pelos Romanos, eis que um homem sonha espalhar pelo mundo, não mais os mistérios e o prestígio do Capitólio, mas as crenças formidáveis de Aix-la-Chapelle; eis um homem que está ou se julga com Deus. Um culto odioso, rival do cristianismo, ainda ocupa os bárbaros: Carlos Magno cai sobre essa gente e Witikind, depois de lutas e de vitórias alternadas, se submete, por fim, humildemente, e recebe o batismo.
Eis aí, por certo, um quadro imenso, onde se desenrolam tantos fatos, tantos golpes da Providência, tantas quedas e tantas vitórias. Mas qual a conclusão? A idéia, universalizando-se, propagando-se de mais a mais, não esbarrando nem nos desmembramentos das famílias, nem no desânimo dos povos, e tendo por objetivo, por toda a parte, a implantação da cruz do Cristo em todos os pontos da Terra, não é um imenso fato espiritualista? É necessário, pois, encarar esses três homens como grandes propagadores que, por ambição ou por crença, avançaram a luz no Ocidente, quando o Oriente sucumbia na enervante preguiça e na sua inatividade. Ora, a Terra não é um mundo em que o progresso se faça rapidamente e por via da persuasão e da mansuetude. Não vos admireis, pois, que muitas vezes seja preciso tomar da espada, em vez da cruz. (Espírito de Lamennais).
Pergunta: Dissestes que existirá sempre a guerra. Contudo, parece que o progresso moral, destruindo as suas causas, a fará cessar.
Resposta: Ela existirá sempre, no sentido em que sempre haverá lutas. Mas as lutas mudarão de forma. É verdade que o Espiritismo deve espalhar no mundo a paz e a fraternidade. Mas, bem o sabeis, se o bem triunfa, nada obstante sempre haverá luta. Evidentemente o Espiritismo cada vez mais fará compreender a necessidade da paz; mas o mal vela sempre. Ainda será necessário muito tempo, na Terra, lutar pelo bem. Apenas as lutas se irão tornando mais raras. (Espírito de Lamennais - R. E. 1862)